01 novembro, 2014

"A rainha da neve" - Michael Cunningham

As visões são respostas. Respostas implicam perguntas.
Nas primeiras dezassete páginas deste romance, o protagonista Barrett Meeks é maltratado pelo amor e dias depois vê no céu uma luz celestial. Como o romance tem 278 páginas, a história promete, não?

Novembro 2006
(Não vão reeleger George Bush. Não podem reeleger George Bush.)
Barrett Meeks está a viver mais um desgosto amoroso. O seu último amante, um canadiano de forte compleição que chegou a dizer-lhe “Podia até amar-te”, com quem partilhara cinco meses de sexo, comida e piadas, pusera fim à relação, inesperadamente e por SMS: Olá Barrett. Calculo q sabes do q se trata. Olha, demos o melhor de nós, certo?... Desejo-te felicidades e sorte no futuro. xxx
Aos trinta e oito anos, Barrett já passou por várias separações abruptas e dolorosas - nunca comunicadas por mensagem - mas continua a não saber lidar com o desamor.
Quatro dias depois, quando caminha de cabeça baixa pelo Central Park, dirigindo-se para casa depois de um exame dentário, é impelido a olhar para o cima e vê no céu uma luz a olhar para ele. Não. A olhar, não. A captá-lo. É uma pálida luz azul-cobalto, translúcida, um retalho de véu, à altura das estrelas, que logo depois se desvanece e deixa no céu a normal escuridão nocturna.
Por momentos, Barrett - que não acredita em visões, nem em Deus - continua parado a olhar para o céu, depois, incrédulo e perturbado, prossegue o caminho para casa. (Casa que não é sua. A sua perdeu-a e como não tinha dinheiro para alugar outra, foi viver com Tyler e Beth).
Tyler é o seu irmão mais velho. Tem quarenta e três anos, é formado em Ciência Política, é um músico falhado que toca em bares.  De momento, Tyler busca inspiração nas drogas, que esconde na gaveta da mesa-de-cabeceira, para compor a mais bela canção de amor para Beth, a noiva que luta contra um cancro em fase terminal. Mas voltemos a Barrett.
Na manhã seguinte a ter visto a estranha luz, durante a sua corrida habitual de dois quilómetros, a pergunta surge: O que é que a luz quereria, precisamente, que ele levasse por diante ou fizesse?
Barrett vai manter tudo como está: o regime de exercício e dieta sem hidratos de carbono; a releitura de Flaubert; o emprego na loja de venda a retalho de Liz, (ainda não disse, mas Barrett formou-se em Yale); o quarto em casa do irmão, num bairro pobre de Brooklyn; a procura do verdadeiro amor.
Barrett, o jovem que parecia tão obviamente destinado a voos vertiginosos, está à beira da catástrofe: falido e destroçado. Talvez comece a ir à igreja.
Acabou, não desvendo mais…

Novembro 2008 
(Este país não está preparado para um Presidente negro.)
Terá Barrett encontrado o amor?
- Queres contar-me o que era aquilo sobre uma luz? – pergunta Sam.
- Isso é uma história estranha. – diz Barrett.
- Eu gosto de histórias estranhas.
- Gostas, não gostas? Gostas mesmo de histórias estranhas.
De estranho não tem nada este romance “brilhante”, inteligente, divertido e comovente, sobre as emoções humanas. A trama está bem urdida. As personagens são consistentes e cativantes. A escrita é, como tudo o que o autor já nos deu a ler, envolvente.
Falta apenas dizer que me fascinou a ligação fortíssima dos irmãos Meeks; me emocionou o amor de Tyler por Beth; me cativou a força de Liz (a patroa de Barrett)  e o seu amor estranho e secreto por... não digo.
Gostei!
(Mas continuo a preferir... "Sangue do meu sangue".)

A rainha da neve, de Michael Cunningham
Tradução de Lucília Filipe
Ed. Gradiva, 214
278 págs.

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