10 outubro, 2014

"Os factos" - Philip Roth

“E enquanto ele falava eu pensava: em que histórias as pessoas transformam a vida, em que vidas as pessoas transformam as histórias."
(Nathan Zuckerman, em The Counterlife)

O livro "Os Factos - Autobiografia de um Romancista” abre com uma carta de Philip Roth para Nathan Zuckerman. (Conhecem, não?! Ele é o protagonista-narrador de nove romances de Philip Roth)).
Nessa carta, Roth explica o porquê do livro, escrito absolutamente ao contrário, pegando naquilo que já imaginei e, por assim dizer, dissecando-o, para assim devolver a minha experiência à sua factualidade original e pré-ficcionada. Para provar que existe um fosso importante entre o escritor autobiográfico que as pessoas pensam que eu sou e o escritor autobiográfico que sou.
O livro vale alguma coisa? Sê franco.
De seguida, escreve sobre cinco episódios da sua vida:
- a infância urbana e protegida, nos anos trinta e quarenta
- a preparação para a vida americana numa universidade conservadora, nos anos cinquenta
Eu acabei o liceu em janeiro de 1950 … tinha querido desesperadamente ir para uma universidade longe de casa… não tinha conseguido bolsa de estudos… acabei por ficar em Newark e continuar a viver em casa dos meus pais.
Em Março de 1951, os meus pais e eu fizemos a viagem de sete horas de carro até Lewisburg… ia ser admitido em Bucknell.
- o envolvimento tumultuoso, quando era jovem e ambicioso, com a pessoa mais colérica que conheceu em toda a sua vida («a rapariga dos meus sonhos», como Roth lhe chama)
Josie (nome verdadeiro Margaret Martinson, a mulher com quem viveu mais anos) trabalhava como secretária na Divisão de Ciências Sociais… Conhecemo-nos (1956) e tornámo-nos amantes… Não vou descrever o que foi a nossa vida… exceto para dizer que me espanta tanto hoje como me espantou na altura que não tivéssemos acabado – um de nós ou ambos – mutilados ou mortos… Não há dúvida de que ela foi o meu pior inimigo de sempre mas, tenho de reconhecer, foi também o mais espantoso de todos os meus professores de escrita criativa, especialista por excelência em estética da ficção extremista.
Casei com ela.
- o choque com um influente grupo de judeus indignados com o seu Goodbye, Columbus
A humilhação que sofri perante os beligerantes da Yeshivá – ou antes, a raivosa oposição judaica que despertei praticamente desde o início – foi a melhor coisa que podia ter-me acontecido. Marcou-me a fogo.
- e a descoberta, nos excessos dos anos sessenta, de um lado inexplorado do seu talento
O que encontrei então em Nova Iorque, quando me separei da minha mulher (1962) e me mudei de Princeton… foram os ingredientes que inspiraram O Complexo de Portnoy, cuja publicação em 1969 determinou todas as opções importantes que fiz na década seguinte.
O livro termina com a carta-resposta de Nathan Zuckerman.
Li o manuscrito duas vezes. Aqui está a franqueza que me pedes:
- Não publiques - sais-te muito melhor a escrever sobre mim do que a relatar “fielmente” a tua vida… O meu palpite é que já escreveste tantas metamorfoses de ti mesmo que não fazes mais ideia do que és ou alguma vez foste. Agora não passas de um texto ambulante.
Ainda bem que ele publicou, pela “festa” que é “escutar” um dos maiores romancista americanos do século XX falar de si.
Será tudo verdade?
Isso não interessa. O que interessa é que Philip Roth é genial.
As recordações do passado não são recordações de factos mas recordações da nossa imaginação dos factos.

Os factos, de Philip Roth
Tradução de Francisco Agarez
Ed. D. Quixote, 2014
228 págs.

3 comentários:

  1. Será que Philip Roth só terá isto para dizer de Philip Roth? Esperava mais.
    Por exemplo dos seus livros apenas fala praticamente de dois (Goodbye Columbus e O Complexo de Portnoy)...

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    1. Olá!
      Mesmo dizendo pouco nunca imaginei que ele dissesse tanto.
      É genial!

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  2. Concordo (com o genial).
    Mas este pareceu-me, a par de TRAIÇÕES o seu livro menos conseguido . a mim, que sou um fanático do Roth.

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