16 dezembro, 2011

Poema de... Manuel Alegre

NATAL
Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.

Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.

Poema de Manuel Alegre, Portugal (1936-)
Pintura (Holy night), de Carlo Maratta, Itália (1625-1713)

2 comentários:

  1. Manuel é um grande poeta, além de ser um excelente escritor. «Cao como nós» é um livro dele que marcou-me bastante. Não sei se ja leu Teresa?

    Bom ano!

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  2. Olá Miguel,
    Ainda não li mas anotei já na minha lista de compras.
    Aqui, sugestões são sempre levadas em conta.
    Obrigada e bom 2012!

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