30 novembro, 2011

Sumário de leituras




Li ou reli em Novembro 2011

. Memorial do convento, de José Saramago
. A pomba, de Patrick Süskind
. O filho de mil homens, de Valter Hugo Mãe
. O retorno, de Dulce Maria Cardoso
. A viagem do elefante, de José Saramago

Dou nota máxima:
. Memorial do convento, de José Saramago

27 novembro, 2011

"A viagem do elefante" - José Saramago

… ó cornaca, que raios vais tu fazer com o elefante a Viena. Provavelmente o mesmo que em Lisboa, nada de importante, respondeu subhro, irão dar-lhe muitas palmas, irá sair muita gente à rua, e depois esquecem-se dele, assim é a lei da vida, triunfo e olvido.
Era uma vez um rei e uma rainha, que no aconchego dos aposentos reais matutavam sobre o que oferecer ao primo Maximiliano, arquiduque de Áustria, futuro imperador.
Depois de muito pensarem eis que a rainha encontra a solução: ofereceremos o Salomão, que há mais de dois anos veio da Índia e, “desde então não tem feito outra coisa que não seja comer e dormir, a dorna da água sempre cheia, forragens aos montões, é como se estivéssemos a sustentar uma besta à argola, e sem esperança de pago”.
Corria o ano de 1551, dão-se as cisões religiosas e o Concílio de Trento, e o rei católico D. João III pensou e decidiu: “Então que vá para Viena”.
É este singelo mas determinante facto histórico, que está na base da narrativa da longa mas extraordinária viagem do paquiderme e do seu tratador, o cornaca Subhro.
Obtida a confirmação de que o arquiduque aceitaria a oferta do rei português, começaram os preparativos para a viagem e...
a partir daí, a poderosa lucidez e imaginação de um Saramago debilitado pela doença, não tem limites.
A odisseia de Salomão tem início dez dias depois. Por caminhos inóspitos, montanhas agrestes e os Alpes frios, “move pesadamente as suas quatro toneladas de carne e osso e os seus três metros de altura”. E pensa.
Creio que na cabeça de salomão o não querer e o não saber se confundem numa grande interrogação sobre o mundo em que o puseram a viver, aliás, penso que nessa interrogação nos encontramos todos, nós e os elefantes.
Em todas as aldeias e cidades o paquiderme é recebido com entusiasmo e Subhro, orgulhosamente sentado nos ombros do animal, está feliz.
… e, num insólito instante de lucidez e relativização, pensou que, bem vistas as coisas, um arquiduque, um rei, um imperador não são mais do que cornacas montados num elefante.
Ainda em terras de Espanha, o cornaca é oficialmente informado de que Salomão, dali em diante passará a chamar-se Solimão e que o seu nome deixará de ser Subhro para ser Fritz.
Desgostou-o a mudança de nome mas, “como sói dizer-se, vão-se os anéis e fiquem os dedos”.
A chegada da comitiva a Génova é triunfal. Subhro ou Fritz, consoante se preferir, depois de trezentas léguas montado em Salomão, está feliz, “bem longe das estreitezas da vida em Portugal, onde, praticamente, o tinham deixado a vegetar durante dois anos no cercado de Belém, vendo partir as naus da índia e ouvindo as cantorias dos frades jerónimos”.
É então, que um padre lhe pede um milagre, “um dos grandes milagres da nossa época”: que Salomão ajoelhe à porta da basílica.
Conseguirá Fritz convencer Solimão a colaborar nessa operação milagrosa?
Finalmente a chegada à Áustria. Assinalava-se o dia de reis do ano de mil quinhentos e cinquenta e dois e a festa foi de arromba.
Salomão, ou Solimão morre dois anos depois, de causas desconhecidas “ainda não era tempo de análises de sangue, radiografias do tórax, endoscopias, ressonâncias magnéticas e outras observações”.
Depois de esfolado cortaram-lhe as patas dianteiras para que “servissem de recipientes, à entrada do palácio, para depositar as bengalas, os bastões, os guarda-chuvas e as sombrinhas de verão”.
Entre falar e calar, um elefante sempre preferirá o silêncio...
Que bem me soube reler este romance, ou conto, tanto faz (uma combinação de personagens reais e inventadas, um olhar irónico e implacável sobre a natureza humana), escrito dez anos após a atribuição do Prémio Nobel.
Viva Saramago!

A viagem do elefante, de José Saramago
Caminho, 2008
258  págs.

23 novembro, 2011

"O retorno" - Dulce Maria Cardoso

Descemos as escadas do avião e a minha irmã disse, estamos na metrópole. Não sabíamos o que havíamos de fazer. Foi esquisito pisar na metrópole, era como se estivéssemos a entrar no mapa que estava pendurado na sala de aula.
Corria o ano de 1975, Portugal vivia em pleno processo revolucionário e assistia ao ruir do império.
Em poucos meses, mais de meio milhão de portugueses foram forçados a abandonar as colónias e a regressar à metrópole. Eram os “retornados”.
Este fantástico romance de Dulce Maria Cardoso é o relato emocionado do retorno à metrópole de uma família que vive em Luanda, onde o pai tem um negócio de transportes. O pai que “foi para África para fintar a pobreza”. O pai que “sempre tratou bem dos pretos”. O pai que não vem com eles para a metrópole. Porquê?
Conhecemos a família quando a mãe doente, que não gosta de sol nem de sal só de rosas, escreve com canela no arroz doce as iniciais dos seus nomes: R de Rui, L de Lurdes (a irmã mais velha), M de Mário e G de Glória.
Depois, é o Rui, adolescente de 15 anos que, sob a forma de monólogo, relata de forma minuciosa os últimos dias da família em Luanda, a “fuga” para a metrópole, e os longos e desesperantes meses passados num hotel virado para o mar.
O mar da metrópole é tão azul como o mar era lá, um mar quase igual, talvez um bocado mais pequeno.
O realismo da vida no hotel, onde se amontoam centenas de pessoas, que sabem que tem de se manter unidas porque “os de cá ainda gostam menos de nós do que os pretos” é comovente. Viver no hotel de cinco estrelas era horrível para um rapazinho, mas mais horrível era o medo de ser posto fora do hotel.
… no hotel não há ninguém que não tenha medo. Todos tentam disfarçar, disfarçam tanto que a sala de convívio ou a da televisão chegam a parecer uma festa. Mas é uma festa de gente triste. Agora então que o verão acabou acho que a tristeza da metrópole entra em nós como se fosse o ar que respiramos. E o frio.
Poupam, mas os vinte contos que trouxeram estão a acabar. Encontram ajuda em bichas que vão dar ao IARN e na penhora das jóias da mãe.
No IARN (Instituto de Apoio ao Retorno dos Nacionais) estavam retornados de todos os cantos do império, o império estava ali, naquela sala, um império cansado, a precisar de casa e de comida, um império derrotado e humilhado, um império de que ninguém queria saber.
Os meses passam e Rui volta à escola, faz amizades, descobre a sexualidade, anda com más companhias, aprende a tomar conta da mãe e da irmã, espera pela chegada do pai, reinventa a esperança.
No hotel há também muita gente de Moçambique.
Às vezes os de Angola e os de Moçambique desentendem-se acerca de qual era a melhor colónia. Não consigo perceber porque é que discutem tanto qual era a melhor colónia se já perdemos as duas.

A leitura deste livro levou-me à arca de memórias onde guardo a história do meu retorno à metrópole, em Março de 1975. Eu vim de Moçambique. Felizmente tinha à minha espera uns sogros maravilhosos, uma casa quentinha e muito amor. Felizmente, não vivi a dor que a autora deste livro viveu.
Obrigada, Dulce Maria Cardoso, pelo seu extraordinário testemunho. Finalmente alguém teve a coragem de mostrar aos portugueses da metrópole, que nem tudo foi fácil para os retornados.
Hoje sabemos que foi a coragem, a força e a determinação dessa gente que ajudou a mudar mentalidades, numa metrópole tacanha, cinzenta e triste.
Em mim, em si, África estará sempre presente mas cada vez mais longe.

O retorno, de Dulce Maria Cardoso
Tinta-da-China, 2011
267 págs.

22 novembro, 2011

Poema de... David Mourão-Ferreira

TERNURA
Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada…

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio…

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo…

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

Poema de David Mourão-Ferreira, Portugal (1927-1996)
Pintura (A sesta 1939) de Almada Negreiros,  Portugal (1893-1970)

18 novembro, 2011

"O filho de mil homens" - Valter Hugo Mãe

Quem tem menos medo de sofrer, tem maiores possibilidades de ser feliz.
Com a leitura deste romance descobri Valter Hugo Mãe, portanto, não conheço a sua fase das minúsculas.
Sem saber, comecei pelo “novo ciclo na sua criação literária” e pelo primeiro de três livros que o autor irá dedicar à família e aos afectos, temas que me agradam sobremaneira.
Para ser feliz é preciso aceitar ser o que se pode, nunca deixando de acreditar que é possível estar e ser sempre melhor.
São várias as personagens - fortes e credíveis – deste quinto romance (ou história de encantar?) do autor, que buscam a felicidade.
 No centro da trama está Crisóstomo, pescador, sozinho, que “chegou aos quarenta anos e assumiu a tristeza de não ter um filho”. Um dia saiu à rua e disse a toda a gente que era um pai à procura de um filho.
Esse filho apareceu. Era um rapaz de catorze anos, “carregado de ausências e silêncios”, e chamava-se Camilo.
Camilo é filho de uma anã (gostei particularmente do capítulo dedicado a esta personagem) que morreu assim que o menino nasceu. O nome do pai é um mistério.
Isaura, uma camponesa “enganada” por um vizinho, que faz um casamento de faz-de-conta com um homem maricas, chamado Antonino.
Crisóstomo, “que ganhava amor pelas pessoas por grandeza”, apaixona-se por Isaura, “uma mulher enjeitada e diminuída”, e tem a certeza de que os dois vão ser felizes para sempre.
Antonino disse à mulher “que amasse pelos dois o pescador, que dele cuidasse como quem cuidava do importante destino do mundo”.
Depois há Matilde, a mãe que rejeita o homem maricas, Maria, a alterada mãe de Isaura, e Rosinha, a caseira de Matilde, que casa com um velho que tem uma galinha gigante.
Apesar do final feliz e da sensibilidade da escrita, este romance não me entusiasmou.
De qualquer modo, vou voltar a este autor.

O filho de mil homens, de Valter Hugo Mãe
Alfaguara, 2011
258 págs.

15 novembro, 2011

Pétalas de sabedoria...


Um arqueólogo é o melhor marido que uma mulher pode ter – quanto mais ela envelhece, mais interessado ele fica.


Agatha Christie
Escritora britânica (1890-1976)

12 novembro, 2011

"O retorno" - Dulce Maria Cardoso

Comprei ontem este novo livro de Dulce Maria Cardoso.
Pelo que já li e ouvi sobre o livro, trata-se do relato do retorno a Portugal, em 1975, de portugueses que viviam em Angola, de entre os quais a própria autora, ainda criança.
Estou curiossissima, porque também eu abandonei Moçambique, em Março de 1975, com destino a Lisboa.
Vim com o meu marido e um filho de 4 meses, ainda no aconchego da minha barriga.
No aeroporto de Lisboa esperavam-me quatro rostos que conhecia de fotografias: os meus sogros e os meus cunhados.
Nesta cidade cinzenta e fria não tinha um amigo, um conhecido.
Os meses passavam e as lágrimas não paravam de cair, até que em Agosto nasce o meu filhote.
Sozinha com ele, aprendi a ser mãe, reaprendi a ter esperança e deixei de chorar.
Dois anos depois os meus pais e a minha irmã também regressaram. Finalmente a família estava reunida. Havia que guardar memórias num cantinho especial do coração e seguir em frente.
Foi o que fiz!

11 novembro, 2011

"A pomba" - Patrick Süskind

Meu Deus, meus Deus, porque me abandonaste? Porque me castigas assim? Pai nosso, que estás no céu, salva-me desta pomba. Ámen!
Quando se fala de Patrick Süskind pensamos logo no primeiro livro do autor “O perfume”, publicado em 1985.
Há alguém que ainda não tenha lido este romance de culto? Não acredito!
Dois anos depois o autor publicou uma pequena, pequenina maravilha: “A pomba”, uma novela com 89 páginas.
Só a li em 1996. Li e não mais esqueci.
Quando lhe aconteceu isto da pomba, que de um dia para o outro mudou radicalmente a sua existência, já Jonathan Noel estava com mais de cinquenta anos, havia uns bons vinte anos que levava uma vida igual e sem incidentes…pois não gostava de acontecimentos e detestava em particular aqueles que lhe abalavam o equilíbrio interior e perturbavam a ordem externa da vida.
Jonathan trabalha como guarda num banco, em Paris, e vive num quarto minúsculo sem grandes comodidades.
Aquele quartinho é o refúgio seguro onde se abriga das desagradáveis surpresas da vida, a sua ilha segura no mundo inseguro.
Jonathan partilha a sua monótona existência entre o seu quarto e o banco onde trabalha: às oito e quinze em ponto está à porta do banco;  às dezassete e trinta sai, compra o jantar e corre para o seu refúgio. É feliz.
A vida decorre sem incidentes, até que, numa sexta-feira, ao abrir a porta do quarto vê, a menos de vinte centímetros da soleira, uma pomba ferida.
Jonathan apanha um susto de morte, que  durante alguns segundos o deixa petrificado, incapaz de avançar ou retroceder.
O que fazer?
O caos instala-se, quando um simples pássaro ferido põe à mostra a miséria da sua existência.
Maravilhoso!

A Pomba, de Patrick Süskind
Presença, 1987
Tradução de Teresa Balté
89 págs.

08 novembro, 2011

Poema de... Sophia de Mello Breyner Andresen

NOVEMBRO
A respiração de Novembro verde e fria
Incha os cedros azuis e as trepadeiras
E o vento inquieta com longínquos desastres
A folhagem cerrada das roseiras

Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, Portugal (1919-2004)
Pintura (The olive trees 1889) de Vincent van Gogh , Países Baixos (1853-1890)

04 novembro, 2011

"Memorial do convento" - José Saramago


Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento em Mafra. Era uma vez a gente que construiu esse convento. Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes. Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido. Era uma vez.
Já tudo foi dito e escrito sobre este extraordinário romance de José Saramago, galardoado com o Nobel da Literatura, em 1998.
Então, porque referi-me agora a este livro?
Porque sinto que falhei ao não falar de Saramago ao longo de quase um ano de existência do rol de leituras e está na altura de remediar o meu erro.
Comprei e li este livro, corria o ano de 1989. Era um livro adorado por muitos, mas também odiado por alguns. Para isso contribui a escrita de Saramago, que, a meu ver, primeiro se estranha mas depois se entranha.
Ao longo das cinquenta primeiras páginas estive para desistir por diversas vezes.
Teimosa, continuei, e ainda bem que o fiz pois a partir daí a leitura deste livro foi um deslumbramento, um sonho que vivi levada pela mão de um escritor MAIOR.
Se você ainda não leu Saramago, considero que este é o romance por onde deve começar. No final rejubilará de prazer e correrá em busca de todos os outros livros do autor.
Deixe-se levar pelo sonho, à descoberta do nome maior da nossa literatura.
Vai aperceber-se que os seus livros se lêem compulsivamente e não se esquecem.
É a minha opinião, claro!
Deste romance, recordo-me amiudadas vezes do amor de Baltazar Sete-Sóis (o maneta) por Blimunda Sete-Luas (a vidente que guardava vontades em frascos de vidro) e do sonho do padre Bartolomeu Lourenço, que queria voar.
Além da conversa das mulheres, são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita.
Corram a ler, deixem-se levar pelo sonho e deslumbrem-se.
Viva Saramago!

Memorial do convento, de José Saramago
Caminho, 1989
357 págs.

01 novembro, 2011

Pétalas de sabedoria...


Adopte o ritmo da natureza.
O segredo dela é a paciência.



Ralph Waldo Emerson
Escritor norte-americano (1803-1882)