31 julho, 2011

Sumário de leituras


Li ou reli em Julho 2011

. As loucuras de Brooklyn, de Paul Auster
. Liberdade, de Jonathan Franzen
. A questão Finkler, de Howard Jacobson
. Pssht… ó menina!, de Vera Agostinho
. Expiação, de Ian McEwan
. O cantor de tango, de Tomáz Eloy Martinez
. O partir dos ovos, de Jim Powell
. Nunca me deixes, de Kazuo Ishiguro


Dou nota máxima
. O partir dos ovos, de Jim Powell
. O cantor de tango, de Tomáz Eloy Martinez

29 julho, 2011

"Nunca me deixes" - Kazuo Ishiguro

Vocês são… especiais.
De Kazuo Ishiguro, autor do extraordinário “Os despojos do dia”, li em 2005 esta comovente história de amor, inocência, perda e verdades ocultas.
Reli-o agora e o deleite foi ainda maior. O passar dos anos refina o entendimento do que lemos.
Chamo-me Kathy H. Tenho 31 anos e trabalho há mais de onze como ajudante…. Sei que a qualidade do meu trabalho tem agradado aos outros… os dadores a meu cargo sempre se saíram melhor do que o esperado, com períodos de recuperação surpreendentes.
Esta informação é transmitida ao leitor nas primeiras linhas do romance.
Mas qual é o real significado das palavras ajudante e dadores?
Kathy, Ruth e Tommy, juntamente com outras crianças, crescem num idílico colégio inglês, são exemplarmente educadas, protegidas do mundo exterior, consideradas especiais. Nada poderia prejudicar a missão que lhes estava destinada: doarem órgãos.
As vossas vidas estão traçadas. Tornar-se-ão adultos e depois, antes de envelhecerem, antes mesmo de chegarem à meia-idade, terão de começar a doar os órgãos vitais. Foi para isso que foram criados.
À quarta doação, em alguns casos ainda antes, o ciclo completa-se e a vida deles chega ao fim.
Assustador?
Sim. Não. É difícil escrever sobre este livro. Isto porque temos de nos conter nos comentários, para deixar que outro leitor descubra mais e mais desta narrativa futurista.
Fabuloso!

Nunca me deixes, de Kazuo Ishiguro
Gradiva, 2005
Tradução de Rui Pires Cabral
330 págs.

25 julho, 2011

"O partir dos ovos" - Jim Powell

Acho que existem dois tipos de história. Há a história dos grandes acontecimentos, a marcha do progresso científico, o choque das ideologias, as guerras e os desastres. E depois há a história como ela é vivida por milhões de pessoas, pela Europa, pelo mundo.
Paris, 1 de Janeiro de 1991. A Europa recupera da separação causada pela Cortina de Ferro.
Feliks Zhukovski, narrador e protagonista deste comovente romance, está em casa a recuperar de uma gripe.
Preocupada, Madame Lefèvre, a sua senhoria desde 1955, faz dois comentários que irão despoletar uma transformação inimaginável na vida solitária e rotineira de Feliks:
- "É sempre bom estar no nosso lar quando se está doente, Monsieur Zhukovski.
- Se não se importa que lhe diga, Monsieur Zhukovski, está a ficar um bocado velho para toda essa correria. Devia abrandar, se quer saber a minha opinião."
Feliks nasceu na Polónia, em 1930. Tem um irmão, Woodrow, nove anos mais velho. Em 1939, exactamente uma semana antes de os nazis invadirem a Polónia, a mãe manda-os para um sítio seguro, para casa duma irmã que vive na Suíça. O ambiente ali é terrível, sentem que não são desejados. O irmão, que tinha prometido que iria tomar conta dele, foge, em 1941, e nunca mais o contacta. Ele, na impossibilidade de poder regressar à Polónia, vai para França, em 1947,
Tinha saudades da minha mãe. Detestara-a por ela nos ter despachado para a Suíça como se fossemos bagagens indesejáveis; mas sentia a falta dela. Era uma dupla infelicidade; ser abandonado pela minha própria mãe e depois descobrir que não podia ir para casa. O único ponto de ligação era Woodrow e a seguir ele abandonou-me também.
Feliks, que durante toda a sua vida adulta tinha sido partidário de "uma ideologia que advogava a mudança, a mudança radical, como a solução para os problemas da sociedade", não gostava de mudanças na sua própria vida.
As últimas grandes mudanças aconteceram em 1955, quando começou a escrever um pequeno guia de viagens para os países da Europa de Leste e se mudou para o apartamento de Madame Lefèvre.
Na altura era membro do Partido Comunista francês.
As próximas grandes - ENORMES – mudanças acontecerão ao longo de 1991, o ano das rupturas, o ano dos reencontros, o ano do regresso ao passado doloroso.
Feliks vai vender o seu Guide a uma empresa americana. "Vai contra tudo aquilo em que acreditei na minha vida inteira, contra tudo aquilo que eu fiz".
Na América reencontra o irmão que não via há 50 anos. "Quando me viu deu-me o maior abraço que se possa imaginar".
Viaja para a Polónia para procurar a mãe. Entregam-lhe uma carta que ela escrevera em 1979. "Quero contar-vos tudo o que me aconteceu desde o dia que mudou a minha vida para sempre".
Decidido a encontrar Kristin, o grande amor da sua vida, parte para Berlim. "O Natal de 1991 ia ser um Natal atarefado, um Natal cheio de gente".
… Nos anos trinta começámos a ter notícias do que Estaline estava a fazer – os julgamentos encenados, as mortes e os desaparecimentos. Diziam: não se pode fazer uma omeleta sem partir ovos. Interrogo-me sobre o que eles acham agora sobre isto: um país inteiro, meio continente cheio de ovos partidos e de cascas de gente quebrada.
Que grande primeiro romance.
Que grande e comovente viagem pela história do século XX, com o relato dos horrores da guerra, o impacto do fascismo e do comunismo, a queda do Muro de Berlim e o desmoronar do bloco soviético.
Inesquecível!

O partir dos ovos, de Jim Powell
Civilização editora, 2011-07-25
Tradução de Isabel Baptista
320 págs.

23 julho, 2011

"O partir dos ovos" - Jim Powell

Não me recordo, mas não me recordo mesmo, quando foi a última vez que me emocionei, ou dito sem floreados - chorei - ao ler um livro.
Pois é... este romance de Jim Powell levou-me às lágrimas por duas vezes: primeiro com o reencontro dos irmãos separados há 50 anos, e depois com o teor da carta da mãe deles, explicando porque os tinha abandonado há 50 anos.
Isto passa-se na II Guerra Mundial, quando os horrores da guerra, numa Polónia ocupada, exigiam a tomada de decisões terríveis e incompreendidas para se salvar um filho.
Ufa! Que "livrão"!
Tentarei redigir um comentário, sem lágrimas...

21 julho, 2011

"O cantor de tango" - Tomás Eloy Martínez

Buenos Aires, cuando lejos me vi.
Bruno Cadogan, protagonista e narrador deste fascinante romance, doutorado em Letras pela Universidade de Nova Iorque, escrevia uma dissertação sobre os ensaios que Jorge Luis Borges dedicou às origens do tango. Um dos professores aconselha-o a viajar para Buenos Aires. Cadogan não considera necessário.
Até que… Jean Franco, especialista em Borges, lhe diz que em Buenos Aires “há um tipo extraordinário que canta tangos muito antigos… nunca gravou uma única estrofe, não quer mediadores entre a sua voz e o público. Tens de ouvi-lo. É melhor que Gardel.”
É Júlio Martel.
Em Setembro de 2001 Cadogan viaja para Buenos Aires. Encontra uma cidade à beira do caos económico, majestosa e ao mesmo tempo ruinosa, que mantém intacta a beleza de um passado esplendoroso.
Com a ajuda de Tucumano, um jovem que conhece no aeroporto, consegue hospedar-se no edifício onde Borges localiza a acção do seu celebrado conto “O Aleph” e inicia a investigação sobre o misterioso cantor Martel.
Em busca de respostas, passeia por enormes e frondosas avenidas e bairros labirínticos, e surpreende-se com os inúmeros e hospitaleiros cafés, abertos a toda a hora, cheios de gente que lê durante muito tempo diante de uma chávena vazia, sem que os obriguem a pagar a conta e a retirar-se.
Pensei que esses cafés eram perfeitos para escrever romances. Ali a realidade não sabia o que fazer e andava solta, à caça de autores que se atrevessem a contá-la.
Também se apercebe de que as livrarias estão cheias de gente que não compra livros.
Começam um livro numa qualquer livraria e continuam a lê-lo noutra, de dez em dez páginas ou de capítulo em capítulo, até terminarem.
Mas, voltando ao objecto da sua dissertação, quem é afinal Júlio Martel? Onde actua?
É num clube de dança, que Cadogan encontra as primeiras respostas.
Júlio Martel nasceu em 1945, hemofílico, “desenvolveu um tronco enorme, desproporcional em relação às pernas raquíticas. Não podia ir à escola. Aprendeu a ler fluentemente com professores particulares. Aos onze, doze anos, passava as horas a ouvir tangos no rádio. Aos quinze anos, fechava-se na casa de banho e soltava uma voz intensa e doce de soprano”.
A voz dele fugia a qualquer descrição, porque ela própria era o relato da Buenos Aires passada e da que viria.
Quer vê-lo, ouvi-lo, mas onde? As suas actuações eram insólitas e esporádicas.
Começa a averiguar os sítios onde Martel actua, tentando descobrir se estavam ligados por alguma ordem ou desígnio. Talvez isso lhe permitisse antecipar a próxima aparição num enigmático labirinto do passado da cidade e escutar aquela voz única.
Conseguirá ele assistir a algumas das suas actuações?

O cantor de tango, de Tomás Eloy Martínez
Edições ASA, 2008
Tradução de Helena Pitta
186 págs.

19 julho, 2011

"Expiação" - Ian McEwan

Descobri este autor em 2006, quando me aconselharam a leitura de “Sábado”.
Em 2008 voltei a ele, para ler este espantoso, inteligente e comovente romance, que descreve de forma brilhante a infância, o amor, a vergonha, a culpa, o perdão e os conflitos sociais, numa Inglaterra em guerra.
Como pode uma escritora expiar os seus crimes se, com o poder absoluto de decidir o final, é em certa medida Deus? Não há expiação para Deus, nem para os escritores, mesmo que sejam ateus.
Cecilia e Robbie conhecem-se desde os sete anos e amam-se, apesar de o mal-estar que sentem quando estão juntos.
Após o regresso de ambos de Cambridge e de anos sem se falarem, encontram-se junto da fonte no jardim e trocam algumas palavras envergonhadas.
Ela mergulha na água uma jarra com flores. Ele tenta ajudar e a jarra parte-se. Ela, zangada, despe-se e em roupa interior entra na água para recuperar os cacos, mergulha e desaparece.
Ele apavorado procura-a na água e, quando ela sai da fonte, perde o olhar no seu corpo molhado.
Ela veste-se e dirige-se para casa, sem olhar para trás.
Este acontecimento é visto por Briony, 13 anos, irmã de Cecilia, que, perdida nas suas fantasias de escritora, imagina ter assistido a uma cena de mistério, autoritarismo, chantagem e ameaças.
Nesse dia, a vida destas três personagens mudará para sempre.
Passadas seis décadas, para Briony, a escritora, nada restava daquela cena muda que decorrera junto da fonte, a não ser o que sobrevivera na memória, em três memórias distintas e sobrepostas.
Irá a tempo de expiar o seu crime?

Expiação, de Ian McEwan
Gradiva, 2001
Tradução de Maria do Carmo Figueira
419 págs.

15 julho, 2011

"Pssht... ó menina" - Vera Agostinho


Deliciei-me com a leitura deste pequenino livro de “estórias verídicas”, vividas e contadas por uma empregada de mesa, que, por sinal, é minha sobrinha.
Deliciei-me e diverti-me.
Depois de concluída a licenciatura em Comunicação Social, a Vera, que sempre sonhou ser jornalista, encontrou emprego… na área da restauração.
A experiência não foi desagradável, porque ela gostou e ficou.
O prazer da escrita, aliado ao seu refinado sentido de humor, levou-a a contar, inicialmente num blog com o mesmo nome, as histórias divertidas da sua “estranha” actividade profissional.
Na sequência do sucesso do blog surgiu este livrinho.
Outros se seguirão, tenho a certeza.
Recentemente a Vera escreveu uma página especial para o livro da sua vida: o nascimento da filhota Maria.
Parabéns Vera!

“A menina mostra no seu blog talento, humor, sentido de observação e qualidade de escrita”, Pedro Rolo Duarte.

“Entre o irónico e o confessional com alguma inspiração na primeira pessoa usada na série “O Sexo e a Cidade”, Diário Económico.

Pssht, ó menina! é delicioso”, Time Out.

Pssht… ó menina, Vera Agostinho
Fonte da Palavra, 2010
79 págs.

08 julho, 2011

"A questão Finkler" - Howard Jacobson

Embora se queixassem de, sem uma companheira, não terem norte nem propósito, os três homens – os dois viúvos e Treslove, que tinha o estatuto de membro honorário – desfrutavam da companhia uns dos outros, discutiam sobre economia, evocavam piadas e episódios caricatos do passado e quase conseguiam convencer-se de que tinham regressado ao tempo em que ainda não tinham esposas para perder.
Este desalmado sofrimento lutuoso era o motivo pelo qual os três se encontravam agora mais do que o haviam feito em trinta anos.
Com as esposas desaparecidas, podiam ser jovens de novo.
São três estes amigos: Sam Finkler, Libor Sevcik e Julian Treslove, o personagem principal deste romance de Howard Jacobson, vencedor do Man Booker Prize 2010.
Treslove, 49 anos,“nascera para sofrer desastres e desgostos”. Com uma personalidade obsessiva, nunca casou mas tem dois filhos adultos de mães diferentes, desistiu de uma carreira no mundo das artes e colecciona empregos inadequados e mulheres igualmente inadequadas.
Contrariamente aos amigos que choravam as mulheres amadas, Treslove era abandonado pelas mulheres mas “não conseguia chorar por elas. E, se não conseguia chorar, não conseguia amar.”
No regresso a casa, depois de um dos habituais jantares melancólicos com os amigos, Treslove foi assaltado por uma mulher que lhe chamou judeu. Será que chamou, ou ele imaginou?
“Para um homem cuja vida fora uma colecção de desgraças absurdas, uma a seguir à outra, o acontecimento era seguramente o cume da ignomínia”. Desencantado com a vida, a partir deste assalto o seu sentido de identidade transformou-se radicalmente: quer ser judeu. Judeu, como o amigo de infância que sempre invejou Sam Finkler, viúvo de um casamento feliz, homem de sucesso, autor de livros de auto-ajuda sobre filosofia prática e que… detesta o judaísmo e evita a companhia de judeus.
Numa linguagem divertida e ao mesmo tempo mordaz, o autor escreve de forma brilhante sobre temas sérios, como o luto, a amizade, o amor, a família, a traição, a solidão, a inveja, a memória, a cultura judaica, o anti-semitismo e o Holocausto.
A primeira parte do livro é hilariante e inteligente. A leitura é compulsiva.
A segunda parte tem um tom mais sério, apesar de alguns episódios divertidos, e por vezes sentimos que o autor perde um pouco o controlo da acção. A leitura é maçadora.
Treslove acreditava estar destinado a ser feliz – ou infeliz: não importava qual dos dois, desde que estivesse destinado.
Fim de assunto, como diziam os seus filhos.
 
 
A questão Finkler, de Howard Jacobson
Porto Editora, 2011
Tradução de Alcinda Marinho
372 págs.

01 julho, 2011

Pétalas de sabedoria...


Todas as coisas possuem o seu mistério e a poesia é o mistério de todas as coisas.
A poesia é a união de duas palavras que nunca se supôs que se pudessem juntar e que formam uma espécie de mistério.

Federico Garcia Lorca
Poeta e dramaturgo espanhol (1898 – 1936)

Sumário de leituras


Li ou reli em Junho 2011
. 40 anos de servidão, de Jorge de Sena
. Trava-línguas, de Luisa Costa Gomes
. As loucuras de Brooklyn, de Paul Auster
. Liberdade, de Jonathan Franzen